quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Via expressa sobre mangue - Infraestrutura Urbana


Obra viária de R$ 319,8 milhões em Recife se expande por manguezal de 6,55 ha e promove ações de saneamento, habitação e urbanização. Veja os desafios técnicos, ambientais e orçamentários da construção.

Como em todo grande centro urbano brasileiro, o trânsito no Recife e Região Metropolitana está a cada dia mais lento. E um dos fatores que agrava o problema é a falta de investimentos em obras viárias. Entre as décadas de 70 e 80, a frota de veículos no Recife aumentou 300%, pulando de 44 mil para 116 mil veículos.  Em 2011, bateu os 513 mil carros, motos e caminhões. E segundo cálculos da prefeitura, aproximadamente 700 mil veículos trafegam pela cidade diariamente.
O crescimento vertiginoso nas últimas três décadas não veio acompanhado da abertura de novas artérias para o tráfego. A última grande intervenção viária na cidade data do final de década de 1970. Mas como abrir novas vias de tráfego numa cidade com alto adensamento urbano, com poucos terrenos livres para construção e cercada por manguezais, áreas de proteção ambiental?
A opção feita pela Prefeitura do Recife foi avançar sobre o mangue, uma decisão que gerou polêmica por mexer em um ecossistema protegido por lei. A gestão do município começou a tirar do papel no início de junho a Via Mangue, um complexo viário cujo objetivo principal é construir uma passagem expressa de quase 6 km ligando Centro e zona Sul, parte nobre da cidade, onde está o conhecido bairro de Boa Viagem.
Mais da metade da via passará por sobre 6,55 ha de um imenso manguezal incrustado na zona Sul da capital pernambucana, que será aterrado mediante compensações assumidas pela gestão municipal. A construção é uma das medidas para melhorar a mobilidade no Grande Recife visando à Copa do Mundo de 2014 - a previsão de entrega de todo o projeto é meados de 2013.
Com a via expressa, o projeto inclui também a construção de dois elevados, uma passagem semiaterrada, oito pontes - uma delas estaiada -, retornos e praças ao longo do trajeto. Para se viabilizar, a Via Mangue teve que passar por adaptações, como a construção de pontilhões para possibilitar o escoamento das águas fluviais para o mangue.

Mas antes de se tornar realidade, a maior obra viária do Recife nos últimos 30 anos percorreu um longo caminho burocrático, tendo que superar pelo menos três obstáculos: o financeiro, o ambiental e o controle do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
O projeto executivo da via foi apresentado em meados de 2004, ano eleitoral, quando o então prefeito João Paulo (PT) tentava a reeleição. O petista conseguiu seu segundo mandato, mas a obra não saiu do papel sob a alegada falta de recursos. Só sete anos depois, a prefeitura conseguiu o financiamento para o projeto, orçado inicialmente em R$ 433,2 milhões, sendo R$ 418 milhões em obras físicas. A Caixa Econômica Federal se comprometeu em liberar R$ 331 milhões - recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); os outros R$ 102,2 milhões são de contrapartida do município.
De 2004 para cá, o projeto foi alvo de críticas do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e da Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, responsável pelo licenciamento da obra. A principal delas é de como proceder com a reposição do equivalente ao dobro da área de mangue que será aterrada para passagem da via (6,55 ha).
Uma das medidas adotadas no projeto do Via Mangue, que vai servir como reposição da área verde desmatada, é a retirada de cinco comunidades ribeirinhas, que ocuparam irregularmente áreas de mangue há anos com palafitas, e a reintrodução da vegetação nativa nesses locais. Nessas comunidades moram mil famílias, segundo a prefeitura, que serão removidas para três habitacionais com um total de 992 apartamentos.
O último grande obstáculo partiu do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Auditores do departamento de controle externo do órgão avaliaram, no início deste ano, como "acima do mercado" o preço da obra orçada pela Empresa de Urbanização do Recife (URB), braço da prefeitura responsável pelo projeto.
Eles afirmaram ter encontrado sobrepreço em insumos de construção e valores da prestação de alguns serviços após o edital ter sido publicado. O TCE reco­mendou à URB, em caráter cautelar, que não homologasse a licitação se o preço ofertado pelo vencedor fosse superior a R$ 335,6 milhões, valor tido como "justo" pelo TCE e bem abaixo do estipulado pelo município no edital (R$ 418 milhões).
A administração, por sua vez, alegou que o preço se justificava pela complexidade da obra e pelos custos com as exigências ambientais. A licitação foi encerrada em abril sagrando-se vencedora a construtora Queiroz Galvão, com o preço de R$ 319,8 milhões. Como o valor homologado ficou abaixo do estipulado pelos auditores, isso evitou um embate institucional entre TCE e Pre­­fei­­tura do Recife, deixando o caminho livre para a construção.

O projeto
O eixo principal da Via Mangue compreende a construção de uma via expressa com 5,58 km de extensão no sentido Centro-Sul e 4,38 km no sentido Sul-Centro, ambas com plataforma total de 27,4 m de largura. Todo o traçado dela recorta a parte oeste dos bairros do Pina e Boa Viagem e passa beirando o maior manguezal urbano do País, com 215 ha.
A maior parte da via - 2,3 km - será erguida adentrando em uma área de mangue. Serão duas pistas duplicadas, separadas por um canteiro central com painéis antiofuscante. Todo o trecho terá um repuxo (acostamento) de 2,5 m e um refúgio de 75 cm na pista oeste, que margeará a parte voltada para o manguezal.
A pista leste será toda acompanhada por uma ciclovia, com 2,4 m de largura, e por um passeio para pedestres com 3 m de largura. Nas duas duplicações, a semipista central tem 3,35 m e a lateral, 3,5 m. O canteiro central e as áreas de drenagem somadas representam 1,65 m de largura.
As pistas Centro-Sul e Sul-Centro caminham lado a lado por cerca de 4 km, da extremidade Sul da Via Mangue, na Rua Antônio Falcão, em Boa Viagem, até o bairro vizinho do Pina. Neste ponto, a parte Sul-Centro se interliga com vias locais, reformadas há três anos já para se integrar ao projeto da via expressa. Em uma dessas vias locais foi construído um túnel com o objetivo de desaguar todo o tráfego na avenida Antônio de Góes, onde o motorista pode seguir para o Centro do Recife, para a zona Norte ou para Olinda. 

A via Centro-Sul receberá mais obras de engenharia que sua coirmã. São elas o alargamento de um viaduto e a construção de uma alça sobre a bacia do Pina com um trecho estaiado. Será alargado o viaduto Capitão Temudo, que liga a zona Sul à área central da cidade, para suportar o acréscimo de tráfego. O capitão Temudo também receberá uma alça com 251 m de extensão para separar os veículos que, vindos do Centro ou da zona Norte, optarem por seguir à zona Sul pela Via Mangue.
Prefeitura do Recife
Obras de arte
Mas a principal intervenção no trecho Centro-Sul é a construção de uma alça a oeste da Ponte Paulo Guerra por sobre a Bacia do Pina: são 363 m, sendo 97 deles estaiados com um mirante. Ela terá uma largura total de 14,55 m, com 12 m de pista de rolamento. Na parte estaiada, haverá uma praça com largura máxima de 20 m (veja foto abaixo).
Essa é uma das obras de arte especiais contempladas no projeto, localizada na extremidade norte da Via Mangue. A outra grande intervenção deste tipo está na extremidade sul. Trata-se do complexo viário da rua Antônio Falcão, onde serão erguidos quatro viadutos e duas alças com extensão total de 2.720 m - 2.205 m para os viadutos e 515 m às alças. Aqui serão usados 31.560 m de estacas metálicas do tipo w200 x 101, cada uma com 36 m.
Também está incluída no rol de obras de arte a canalização do rio Pina. Como a Via Mangue passará por sobre o rio, o projeto prevê a construção de 400 m de canal de concreto armado para manter o curso d'água. Um dos grandes desafios da obra será a estabilização do solo na área de mangue a ser aterrada. É o que diz o engenheiro Marlus Muniz, da empresa JBR Engenharia, responsável pela elaboração do projeto. "A estabilização do solo do mangue é um ponto que deve ser verificado constantemente e com atenção redobrada: ele sede muito e pode prejudicar o projeto se não for feito com atenção e paciência", alerta ele.
A preocupação com a estabilização do mangue pode ser medida pela quantidade de areia que será demandada na obra. Pelos cálculos de Marlus Muniz, serão necessários 160 mil m3 de areia. A construtora Queiroz Galvão deve utilizar uma solução de estabilização que inclui, além da areia, geogrelha e geodreno. A cada 100 m aterrados, também devem ser afixados drenos para retirar a água do solo. "Trabalhar em áreas planas, como é o caso, dificulta muito a drenagem do solo. Imagine numa área de mangue", adverte Marlus.
Última atualização: 31/05/2011 - Fonte: Controladoria Geral da União.

Questões ambientais
A versão original da via sofreu modificações em função da pressão dos órgãos de proteção do meio ambiente. É o que informa o engenheiro Marlus Muniz. Uma delas foi a inclusão das chamadas "passagens hidrodinâmicas". (Veja desenho abaixo.)
Ao longo dos 2,3 km da via que será erguida sobre o mangue, foram inseridos dez pontilhões, cinco em cada pista, cada um com 10 m de comprimento por 27 m de largura e com distância média de um para o outro de 500 m.
A função deles é permitir o escoamento das águas flu­­­viais, que ao saírem das galerias, se­­guem para as áreas baixas de mangue. "Sem essas pas­­­­­­­­­­­­­­sagens, a via funcionaria como uma barreira para as águas da chuva, podendo até colaborar para o alagamento de ruas da zona Sul, além do que a vegetação a leste da via fatalmente morreria", explica Marlus Muniz.
Outro acréscimo ao projeto trata-se do gradil de proteção que será colocado por 4,3 km da pista Centro-Sul, principalmente pelo trecho que passa pelo manguezal. Sua função principal é evitar que pedestres passem para área verde e que objetos sejam jogados no mangue.
A prefeitura também se comprometeu junto ao Ministério Público e à Agência Pernambucana de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de criar o Parque dos Manguezais em toda a área oeste por onde passa a Via Mangue. Seria uma reserva municipal de preservação permanente. De acordo com a presidente da URB, Débora Mendes, a criação deste parque, com seus 215 ha, serviria como forma de compensação pelo dano ambiental causado pela construção.
Comunidades reassentadas: ao todo, 936 famílias das comunidades indicadas na imagem estão cadastradas para ações de reassentamento
Prazos
A previsão da entrega da obra é o primeiro semestre de 2013. Segundo a construtora Queiroz Galvão, responsável pela empreitada, o pico do trabalho será entre abril e maio de 2012, quando serão gerados 600 empregos diretos. Os trabalhos foram iniciados com a colocação das fundações para a alça que sairá do viaduto Capitão Temudo. Neste primeiro momento, foram contratados 160 trabalhadores.
A prefeitura garante que não haverá descontinuidade na obra. A presidente da empresa municipal URB, Débora Mendes, informa que os recursos para toda a construção estão assegurados. Com todas as exigências ambientais, ela classifica como descabidas as críticas ao preço da obra. 

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