sexta-feira, 24 de junho de 2011

Consultor denuncia o aumento do emprego de soluções geotécnicas prontas - Théchne

Para geotécnico, é cada vez mais comum a tomada de decisões sem diagnósticos precisos. Confira artigo

Divulgação
É o fenômeno, estúpido!
Para explicar aos pasmos a surpreendente superioridade eleitoral de Clinton sobre o velho Bush nas eleições de 1992, o estrategista eleitoral dos democratas, James Carville, cunhou a frase que viria a ficar famosa: "É a economia, estúpido!". Na verdade, uma melhor tradução para a língua portuguesa falada no Brasil seria algo como "É a economia, sua múmia!"

Diante de seu obtuso espanto frente ao colapso de uma obra de engenharia geotécnica caberia perfeitamente parafrasear a expressão para explicar aos nossos pasmos as razões do desastre: "É o fenômeno, sua múmia!".
A foto que acompanha esse artigo é simbólica. Uma alentada tela argamassada, com fios de aço de 5 mm, totalmente destruída pela continuidade do processo de ruptura de um enorme talude de corte em importante rodovia brasileira. Situações como essa, onde transparece o total desencontro entre o real fenômeno geológico-geotécnico em curso e a solução aventada para estabilizá-lo, estão a multiplicar-se crescentemente por todo o país.
O fato é que estamos em plena era dos modismos tecnológicos em nossa engenharia geotécnica. Nesse contexto de empobrecimento do exercício inteligente e crítico da engenharia, a decisão por uma determinada solução técnica já não advém mais como decorrência de um preciso diagnóstico geológico e geotécnico do problema e dos fenômenos com que se está lidando. Já não é mais o problema que busca a solução, mas sim a solução prêt-à-porter ("pronta para usar") que comercialmente busca problemas, sejam esses quais forem, para oferecer-se como desejada panacéia tecnológica. Como o caricato "médico de bula", abunda entre nós o "geotécnico de catálogo".
Lembremos algumas dessas numerosas e onipresentes ofertas tecnológicas: gabiões, tela argamassada, geossintéticos, geomembranas, solo grampeado, solos reforçados, jet-grouting, CCP, enfilagens especiais, micro-estacas, estacas-raiz, geogrelhas, blocos intertravados, malhas metálicas ancoradas, etc., etc., etc.
Claro, sem dúvida alguma o aperfeiçoamento de nosso leque de soluções é necessário e bem-vindo, por disponibilizar continuamente novas e eficazes ferramentas para o trato de novos e velhos problemas geotécnicos, e as anteriormente mencionadas são todas boas ferramentas para suas específicas finalidades. A questão apontada não está na qualidade das soluções disponibilizadas, mas no risco em se abordar um problema geotécnico com a predisposição, ou com a pré-intenção, de utilizar-se essa ou aquela solução, daí a profusão de situações de total insucesso técnico da consolidação geotécnica pretendida. Casos de mesma natureza são as situações de insucesso financeiro, em que o problema, ainda que sofrivelmente resolvido, tenha resultado um preço exorbitante, muito maior daquele que seria naturalmente decorrente de uma solução fenomenologicamente correta.
A reversão dessa disfunção de abordagem técnica passa pela disposição da Geotecnia brasileira, geólogos de engenharia e engenheiros geotécnicos, em retomar na plenitude as rédeas de seu exercício profissional, recuperando em teoria e prática a velha e sábia verdade de ordem metodológica: a execução de serviços geotécnicos, de qualquer natureza, inicia-se pela exata compreensão qualitativa e quantitativa do fenômeno geológico-geotécnico que se está enfrentando. Somente essa compreensão, para a qual uma rica e colaborativa integração entre os conhecimentos geológicos e geotécnicos é essencial, permitirá a adoção de uma solução perfeitamente solidária e adequada ao fenômeno enfrentado. Adicionalmente, a segurança proveniente dessa compreensão libera o projetista para uma maior ousadia na escolha da solução de engenharia e para a adoção de Coeficientes de Segurança mais reais e modestos. Do que decorrerão, em relação direta, obras mais econômicas e eficazes.
*O geólógo Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br) é autor dos livros "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática", "A Grande Barreira da Serra do Mar", "Cubatão" e "Diálogos Geológicos", além de consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente. Já foi diretor da Divisão de Geologia e diretor de Planejamento e Gestão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo).

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